O silêncio do bairro

Maurício Arraes

Junho a Agosto de 2019

Maurício Arraes está interessado nas lacunas do cotidiano. A vida encontra respiros dentro de suas pinturas. O marasmo e o tédio ganham potência, já que carregam uma falsa invisibilidade, quando, na verdade, ocupam lugar no tempo e no espaço. É a presença de uma ausência libertadora que estimula uma meditativa busca por uma quebra nas convencionais hierarquias visuais.

É um antifetichismo cheio de propositais ambiguidades. Os personagens não são folclorizados ou romantizados. Os indiferentes indivíduos nos cenários retratados nos quadros são como ninguéns que habitam não-lugares e convivem com cachorros vira-latas sem nomes e sem donos. A arquitetura presente em suas paisagens urbanas é quase assignificante.

Selecionar demais o que retratar seria recortar, enganar, criar um relação metonímica de deslumbre e uma falsa impressão de que aquela parte escolhida representaria um todo idealizado. Para ele, o vazio aparentemente antinarrativo e supostamente banal é muito mais desafiador e interessante como conteúdo, sem que com isso sua arte torne-se menos bela ou menos nobre.

Percebe-se o Brasil bastante presente na exposição. Porém, os símbolos de brasilidade não são explícitos ou afirmativos, são casuais, manifestados principalmente nas cores vibrantes e em detalhes. A luz tropical paira sobre as pinturas, só que de uma forma sincera e natural. No lugar de reafirmar visualmente uma identidade cultural nordestina, o artista dribla regionalismos, incorpora elementos da sociedade industrial globalizada e concentra-se na essência universal de um dia-a-dia pós-moderno. As geometrias das paredes planas tornam-se mais interessantes que ornamentos, exotismos, monumentos ou signos marcantes de lugares conhecidos.

O comportamento das pinceladas também revela uma informalidade elaborada com precisão e espontaneidade. A tinta espalha-se pelas superfícies de forma fluida, explícita, orgânica e natural, sem uma busca pela perfeição uniformizante ou excessos de homogeneidade. As marcas das cerdas dos pincéis carregam uma expressividade suave e discreta, sem ênfases expressionistas. Mauricio Arraes faz uma arte equilibrada que não transforma o próprio esmero em esbanjamento de virtude, perfeccionismo, maneirismo ou vaidade.

O artista, assim, alcança uma espécie de estado de abstração por meio do figurativismo. A falsa vacuidade das pinturas revela uma inapetência provocadora, onde as fugas dos pontos são mais atraentes do que os pontos de fuga. Extremamente cética, crua e sincera, a pintura de Maurício Arraes tem seus significados políticos realçados no anti-humanista momento histórico em que as boas notícias estão cada vez mais raras, quando o silêncio, por vezes, transforma-se em um alívio ou um refúgio. É um olhar para um mundo cada vez mais esquecido, substituído pelos universos virtuais das telas de computadores e celulares que guiam massas imersas em uma crise existencial e estética.

“Enquanto o mundo explode. Nós dormimos no silêncio do bairro. Fechando os olhos e mordendo os lábios. Sinto vontade de fazer muita coisa” - Chico Science e Nação Zumbi

Curadoria de Júlio Cavani

Catálogo da exposição