Frágil

Luciano Pinheiro

Agosto a Setembro de 2018

FRÁGIL | forte

“ Rasga o peito das pedras rutilantes / e dele arranca o teu poema alegre...” - Vanildo de Brito

A arte e a vida de Luciano Pinheiro se confundem. Sua maneira de pensar a arte como extensão da vida indica também a integração geográfica com o Alto da Sé de Olinda onde o quintal de sua casa se integra à floresta urbana praticamente intocada. Mas sua arte se confunde também com  o cotidiano da velha Olinda, cidade de artistas de todas as categorias que convivem há décadas entre si como uma comunidade que pensa de forma inventiva. 

Desde os anos de 1960 ele participa ativamente dos movimentos que transformam esta cidade na usina cultural na qual ela se tornou. Ele atuou com seus pares, Artistas como Adão Pinheiro, Ypiranga, José Barbosa, Tiago Amorim e outros na Oficina 154; ao lado de João Câmara, José Carlos Viana, Liliane Dardot, Marcos Cordeiro, Delano, Tereza Costa Rêgo e muitos outros na Oficina Guaianases de Gravura; no Ateliê Coletivo de Olinda com Eduardo Araújo, Gil Vicente, Gilvan Samico, Giuseppe Baccaro, Guita Charifker, José de Barros e José Cláudio. Em seu apego aos seus pares ele disponibiliza eventualmente parte de sua residência para exposições coletivas de amigos como Maurício Arraes, Humberto Magno, José Barbosa, Eduardo Araújo, e o fotógrafo e arquiteto Aderbal Brandão. Lá também tive o prazer de mostrar minha arte. 

Luciano é um artista da cidade e do campo, da floresta em seu quintal e da rua multifacetada em paisagens distantes.

 O homem da floresta fruindo a natureza e seus mitos e o bicho urbano “antenado” ao mundo. 

Sempre o considerei um paisagista, um paisagista onírico e informal, como pode acontecer em quem pinta paisagens sem nenhuma pretensão de ser realista. O que se esconde em suas paisagens são mais o espírito da floresta do que a construção dos edifícios, mais as figuras ocultas do que a placidez líquida dos rios, a força das praias, o silêncio das montanhas.

Ao preparar esta exposição ele me apresentou um texto confessional onde se desnuda generosamente, entregando ao outro os seus mistérios. Intitulou de “Frágil” este conjunto de obras recentes pintadas em cores vibrantes como não poderia deixar de ser em um artista que vive sob a luz desta cidade. Aqui estão plasmados seus traumas sociais ao lado de seus gozos estéticos num diálogo entre corpo e alma. Um roteiro sentimental da exposição: 

“Aquarelas e Aquacrílicas sobre diversos suportes, às vezes sequenciadas, outras vezes isoladas. Estas obras, irmãs-primas, dão respaldo às fragilidades humanas. Frágil é a vida e a arte também.” 

O neologismo “aquacrílica” leva ao público um dado técnico da pintura pois uma das características da tinta acrílica é a possibilidade de ser aplicada como aquarela, aproveitando suas transparências se bem diluída.  

“Algumas narram histórias vividas, breves e intensos momentos aquarelados. Celebram o nascimento, a vida e a morte. Outras são “vérticos”, banners, ressignificados frente e verso, corações e mentes”.  

Mais uma vez ele utiliza o neologismo (vértico) para explicar indicar a natureza técnica de três pinturas em fragmentos de banners impressos em material sintético. Eles formam um conjunto que podem ser vistos em frente e verso, e nos leva a uma instalação criada com fragmentos de embalagens de uísque que formam torres de uma cidade e objetos achados que completam a ideia simbólica do “lugar”:

“Outras profetizam: cidade imaginária, torres e torres grafitadas, onde humanos habitam. Na praça da elipse, antiguidade e continuidade. O ovo, a origem, Na muralha, das pedras ao lixo tecnológico”. 

Luciano é um defensor da integridade de sua cidade, Sua mulher Vera Millet é arquiteta igualmente dedicada à preservação urbana e ambos lutam por uma cidade que faça jus ao título de Patrimônio Cultural  da Humanidade. Esta instalação expressa algo apocalíptico, uma cidade eclipsada pelo abandono, pelo descaso.

“Algumas são paisagens, paisagem poluída, paisagem sensorial e paisagem cósmica. Outras obras nada dizem. Apenas devaneios...”  

“Cuidado, frágil!” 

A fragilidade da vida e da arte se revela no tríptico Alice, sobre o crime que chocou todos os que ligados à arte da geração de Luciano. Lá estão fragmentos da tragédia contrastando com o sorriso generoso de Alice. Outro aspecto da fragilidade é a série A Fuga das Abelhas, sobre a tragédia ecológica que já se evidencia, e os trípticos Ressonâncias, colagem com fragmentos de ressonâncias magnéticas de um útero prenhe, e Nascimentos, aquarelas e esferográficas com desenhos de recém-nascidos que flutuam num mar de cores aguadas. 

Há muito mais nesta demonstração de sentimentos materializados em objetos de arte. Há muito mais para se ver nesta galeria contaminada pela beleza.

Curadoria de Raul Córdula

Catálogo da exposição