Conciliação

Daaniel Araújo

Outubro a Novembro de 2015

Seu olhar curioso sobre a cidade fez Daaniel Araújo encontrar duas esfinges que guarnecem a Loja Maçônica Conciliação, que existe na Rua da Conciliação, Bairro da Boa Vista. Pouca gente sabe onde fica isto, mas é próximo do Beco dos Fotógrafos, e escondido pelos edifícios da Avenida Conde da Boa Vista que encobrem há muito sua fachada. Daaniel pintou as duas esfinges e destas obras saiu o título desta exposição, o que lhe dá um sentido muito amplo, pois ao falar de um templo escondido no lugar mais óbvio da cidade sugere os paradoxos constantes em sua arte e sugere também a conciliação das diversas séries de pintura convergindo para um só espaço.

Embora seja um jovem artista curiosamente Daaniel se afina com a arte tradicional, embora mantenha seu olhar no aqui e no agora, nos acontecimentos civis e no cotidiano da cidade. De certa forma ele se ombreia com os artistas da geração de 1960 nas mesmas bandeiras de luta: o enfrentamento da arrogância, a valorização do amor livre, o sarcasmo e a ironia dirigidos aos poderosos e conservadores aos quais enfrenta com a série de pinturas que tem como lema “O Medo é o Pai da Moralidade”. Daaniel é um contestador culto à moda da juventude parisiense que foi para a rua em 1968.

Designer gráfico formado em 2005 foi também publicitário, mas dedica-se à pintura desde 2011, tendo realizado exposições individuais como “Sobre o Vento e o Espalho”, no Festival de Inverno de Garanhuns e “Meu lugar”, no Festival Pai da Mata, ou ainda “O que me resta do ano”, realizada em seu ateliê. Participou também da coletiva de gravuras “Papelombra” no Espaço Cultural Peligro.

O foco na sensualidade marca sua produção e trás à luz o pensamento de sua geração sobre este tabu social que ainda encontra ecos nesta altura da civilização. Este veio temático tem na serigrafia “Já tive amores, agora é putaria mesmo” o ponto exato para o salto neste universo da sexualidade que se apoia no título da obra “O medo é o pai da Moralidade”, e marca pinturas e gravuras como “Masturbação”, “Vagina”, “O beijo do mascarado”, entre outras.

Outro aspecto de seu trabalho se refere à crítica, ao gerenciamento urbano do Recife como as questões da mobilidade urbana, ou ainda a metáforas referentes aos acontecimentos antiecológicos como o caso do Cais José Estelita que ele contesta através de pinturas e múltiplos como a pintura onde se vê um tubarão coberto de cifrões e a frase “ÁREA SUJEITA A ATAQUE DOS BARÃO”.

Outro tema recorrente é o coração, que ele plasma em vários contextos, como um recém nascido saído de um coração com a palavra PROCURA-SE.

Também é um pintor de quadros grandes, dos quais destacamos “Moça com pince”, “Cachorro Amarelo” e “Mulher na praia”.

Sobretudo ele é um pintor habilidoso que possui um cromatismo elegante quase sempre semitonado em marrons. Utiliza os suportes tradicionais como tela e papel, mas não se limita a eles, pinta sobre outros materiais como madeiras achadas ao léu onde ele deixa aparecer a fibra nas áreas não cobertas pela tinta. Ele experimenta xilogravura na oficina MAU MAU produzindo longa série de pequenas estampas, está produzindo um filme de animação onde os desenhos são pintados a óleo, e cria cartazes, serigrafias, imãs de geladeira e estêncis grafitados na cidade como um bebê engatinhando e um flanelinha com o rodo na mão e a frase “Também Quero Sonhar”.   

Eis um artista inquieto e proativo, cujo olhar está sempre de vigia e a cabeça à espreita do próximo acontecimento, social ou pessoal, que excite sua vontade de compartilhar ideias. Um pintor urbano, sobretudo, identificado com o downtown, com as esquinas e as pessoas comuns da cidade. 

Curadoria de Raul Córdula

Catálogo da exposição